Desenvolvimento de Pessoas – Vamos voar um pouco – por Fernando Abreu
Ao longo de minhas experiências tenho constatado que criar um ambiente de aprendizagem é um grande (senão o maior) desafio para qualquer profissional que pretenda desenvolver pessoas, e mais, se desenvolver – se é que podemos separar as coisas.
Fui convidado para ministrar um programa de desenvolvimento de lideranças voltado à comandantes e copilotos, e para mim foi uma experiência incrível de superação e aprendizagem.
Não vou entrar nos detalhes de um programa que durou cerca de 2 anos, mas sim ao que posso chamar de ponto de convergência, ou o ponto que uniu a alta capacitação técnica deste público ao foco socioemocional do programa.
O Cliente como protagonista.
Toda e qualquer empresa de qualquer segmento volta sua atenção para a experiência do cliente, o que não é diferente para o segmento aéreo. Portanto, toda a estrutura está voltada para geração de valor para o cliente.
Porém, a experiência do cliente desde a compra até o vôo passa por múltiplas variáveis que podem valer um like ou um deslike por parte do cliente, sendo que muitas delas intangíveis –
sentimentos do cliente ao comprar, ao despachar as bagagens, durante o voo, no desembarque, etc.
Ah e o mais interessante, o cliente não é uma categoria de seres humanos e sim um indivíduo, que se conecta a outros em rede, as famosas comunidades digitais.
Em cada assento vai um ser com expectativas únicas.
O papel da liderança
Em poucas palavras é garantir a satisfação do cliente.
Desdobrar isso em ações diárias é que torna a tarefa um tanto desafiadora.
Principalmente porque os manuais dão conta de procedimentos técnico operacionais , que são realizados por pessoas e, que a qualidade da interação entre estas pessoas determinam a qualidade e efetividade dos procedimentos, que por sua vez impactam significativamente na satisfação dos clientes.
Pessoas no comando
A qualidade da relação entre despacho, manutenção, atendimento, torre, concorrência, etc. determina a experiência do cliente e portanto o sucesso do vôo.
“Caem no colo” de comandantes e copilotos problemas que vão além das questões técnicas relacionadas ao vôo.
A cada vôo esta situação se repete, e o papel de pilotos e copilotos na gestão técnica e relacional dos processos é crucial, por ser um ponto de intersecção de vários outros processos e procedimentos que precedem o embarque.
Leitura e consciência situacional
http://www2.anac.gov.br/anacpedia/por_ing/tr2251.htm
Pelo que pude perceber é um termo usual na aviação, e foi o que intuitivamente uniu e mobilizou, comandantes e copilotos na criação de um ambiente de aprendizagem que ia além da sala de aula.
Vivenciar conceitos relacionados à Inteligência Emocional e Social – http://hbrbr.uol.com.br/inteligencia-social-e-a-biologia-da-lideranca/ – possibilitou a expansão da consciência e da leitura situacional de todos os envolvidos direta ou indiretamente.
O sucesso de cada voo depende diretamente da percepção de si e do outro como seres emocionais, expostos às variações de resultados dependendo das interações estabelecidas.
Uma Historinha de um copiloto em seu primeiro voo como comandante.
No intervalo de um dos treinamentos um comandante me aborda perguntando se eu tenho um tempinho. Respondo que sim, e ele começa seu depoimento:
– “No meu primeiro voo como comandante ao sentar na tão desejada cadeira esquerda, minha consciência situacional quase me impede de voar”.
Fiquei curioso em saber o por que,e pedi que continuasse seu depoimento.
“Naquele momento senti o “peso do mundo” na minhas costas! Estava no comando, sonhei tanto com aquele momento, e mesclado com o sentimento de realização me vi tomado pelo pânico.
Senti nas minhas mãos a responsabilidade por todas as vidas que eu transportaria.
Cada indivíduo uma história, pessoas esperando pelo reencontro, sonhos a serem realizados, vidas que naquele momento a partir daquele momento dependeriam mim.
Tive várias lembranças do tempo de “copila”, dos comandantes maravilhosos (e outros nem tanto) com os quais aprendi muito, das situações superadas ao longo da minha formação, respirei fundo, enxuguei as lágrimas – que brotaram daquela profusão de sentimentos; recebi a autorização para decolar .
O vôo transcorreu tranquilamente sem incidentes, dentro dos padrões de segurança e qualidade (pontualidade, atendimento, etc).
Porém, este dia me marcou tão profundamente, porque me fez ver a fragilidade e a beleza da vida. Me fez ver a pessoa que existe além cada papel (papel de cliente, de copiloto, de comissários, mecânicos, despachantes, etc), o ser humano.
Que um simples “bom dia”, chamar pelo nome (e não pela função), faz toda a diferença.
Me percebi humano, que “minha fama” chega antes de mim e tive, graças ao meu primeiro vôo como comandante, a oportunidade de ler a situação com outros olhos.
A partir desta experiência, criar histórias positivas de superação.
Por entender que no exercício do comando devo agir tendo como princípio o respeito, a crença no valor e na importância das pessoas independentemente de suas funções e papeis.”
Desafiador e simples assim.
Minha gratidão e respeito a todos os profissionais do segmento aéreo.
Em especial, aos Comandantes e Copilotos que me ensinaram muito à continuar aprendendo sempre.